A notícia de que a cantora Ana Castela, a “Boiadeira”, fará sua estreia como atriz na próxima novela das 19h da TV Globo, “Coração Acelerado”, rapidamente se tornou o epicentro de uma tempestade no meio artístico. A onda de choque, no entanto, não veio dos fãs, mas de um setor crucial e muitas vezes esquecido da indústria: o Sindicato dos Artistas. A reação, liderada por seu presidente, Hugo Gross, foi imediata e incisiva, classificando a decisão da emissora como um “desrespeito” monumental.
A controvérsia não é nova, mas ganha força a cada vez que uma celebridade — um cantor, um influenciador, um apresentador — é escalada para um papel de atuação. A questão central, como defende o Sindicato dos Artistas do Rio de Janeiro (Sated-RJ), é a ausência do DRT, o registro profissional que atesta a formação e a aptidão de um ator. Para Gross, a prática da Globo não apenas ignora a lei, mas também menospreza os milhares de profissionais formados em escolas de teatro, dedicados a uma carreira que exige técnica, estudo e, acima de tudo, respeito.
A Batalha pelo DRT
Em uma entrevista franca, Gross expressou sua “boquiaberta” indignação com o que vê como uma postura arrogante da emissora. Ele aponta para um padrão recorrente, citando participações anteriores de personalidades como o DJ Alok e o influenciador Hugo Gloss, que, apesar de influentes em suas áreas, não são atores. “É uma falta de respeito”, reitera, lembrando que muitos profissionais da arte estão desempregados, à espera de uma oportunidade que parece ser sistematicamente entregue a quem já está sob os holofotes por outros méritos.
A crítica do presidente do sindicato vai além do mérito artístico. Ele levanta uma questão financeira e ética: a alegação de que influenciadores recebem, além do cachê, um contrato extra para divulgar a produção em suas próprias plataformas digitais. Esse suposto tratamento privilegiado não só eleva o custo de produção, mas também estabelece uma hierarquia que coloca o marketing acima da arte e do profissionalismo. “O Sated está de olho e a gente não vai dar mole”, avisa, prometendo vigilância e, se necessário, ação.
Um Templo de Vaidade ou um Palco de Meritocracia?
A retórica de Hugo Gross não poupa a emissora. Ele acusa a TV Globo de ser um “nicho de pessoas que se acham acima do bem e do mal”, agindo com impunidade e desconsiderando as leis que regem a profissão. O Sindicato, por sua vez, promete não recuar. Gross finaliza com uma ameaça velada de protesto: “Nem que pra isso a gente leve milhões de pessoas pra dentro da emissora, pra porta da emissora, pra defender o trabalhador da arte que está sempre pisado”.
O debate sobre a escalação de não-atores é um reflexo do choque entre a indústria do entretenimento, cada vez mais focada em popularidade e engajamento, e a classe artística, que luta para manter a dignidade e o valor de sua profissão. A questão não é se Ana Castela é talentosa, mas se a porta para a atuação deve ser aberta por méritos de fama ou por méritos de ofício. A resposta, segundo o Sindicato, é clara, e a batalha por ela está apenas começando.