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Mônica Martelli: “A mulher não está autorizada a envelhecer”

Mônica Martelli está de volta aos palcos com um de seus trabalhos mais icônicos: “Minha Vida em Marte”, espetáculo que já levou mais de 380 mil pessoas ao teatro. A cada apresentação, ela reencontra um público fiel que se reconhece nas histórias que escreve e interpreta. “O teatro é vivo. Todo dia tem uma plateia diferente, uma energia diferente. Eu entro em cena como se o jogo não tivesse ganho, como se fosse uma partida de futebol”, resume, em entrevista à Glamour.

Autora de sucesso e cronista afiada do comportamento da mulher moderna, Mônica conquistou o público justamente por transformar em humor temas que muitas vezes são dolorosos, como crise conjugal, machismo, solidão, envelhecimento e recomeços. “O humor é uma ferramenta muito eficaz para abordar temas delicados, né? Você consegue ser tocado e rir ao mesmo tempo”, afirma.

Aos 57 anos, a atriz e escritora encara a maturidade sem filtros. Com leveza e autenticidade, ela fala de tabus que ainda cercam as transformações femininas ao longo da vida. “A mulher não está autorizada a envelhecer. Somos muito julgadas e questionadas quando isso acontece.” Para ela, os 50 trouxeram mais do que menopausa: abriram portas para uma nova relação com o corpo, o prazer e a vida. “Hoje eu me acho mais bonita… O sexo fica melhor porque você não tem vergonha de falar de desejo, de dizer o que gosta, o que quer… Sou menos exigente, menos cruel comigo mesma. Isso não tem preço.”

Além de estar em cartaz no Teatro Renault, Mônica finaliza “Minha Amiga”. No longa, filmado em Portugal, Espanha e Brasil, ela divide cena com uma de suas melhores amigas, Ingrid Guimarães. “O filme é resultado de uma amizade de 30 anos. Nunca tínhamos trabalhado juntas e agora nos reencontramos, depois dos 50, cada uma com a sua trajetória”, celebra.

Confira o bate-papo com a atriz, que fala sobre o retorno do espetáculo, feminismo, maturidade, machismo e a sua amizade com Ingrid Guimarães.

Você está de volta a São Paulo com “Minha Vida em Marte”, um espetáculo que já levou mais de 380 mil pessoas ao teatro. O que mais te comove ou surpreende no reencontro com o público depois de tanto tempo em cartaz?

O teatro, por mais que toda noite a gente faça o mesmo texto, nunca é igual. Nunca é igual porque o teatro é vivo. Todo dia tem uma plateia diferente, uma energia diferente, respostas diferentes. Eu entro em cena como se o jogo não tivesse ganho, como se fosse uma partida de futebol. Eu tenho que ganhar aquela plateia, ela tem que entrar na história que eu vou propor para ela. E eu entro sempre tentando ter o mesmo frescor desde o primeiro dia. Esse é o grande desafio. Quando dá o terceiro sinal, é você e a plateia, não tem ninguém editando, não tem ninguém volta ou ‘corta’.

A Fernanda, sua personagem, enfrenta uma crise no casamento e todos os dilemas que vêm com ela: medo da solidão, de recomeçar, de envelhecer. O que mudou em você desde que escreveu esse texto pela primeira vez?

Eu acho que a gente busca amadurecer. Eu sempre falo que, envelhecer não é amadurecer, tem muito velho insuportável por aí. Eu acho que a gente vai amadurecendo numa busca que para se conhecer cada vez melhor, para ir cada vez mais de encontro a quem a gente é, para a gente não se deixar ser levado né? É pelas relações que às vezes abafamos características, desejos, sentimentos…

E a mulher tem uma tendência em ser abafada, silenciada em nome de uma relação, com medo de ficar sozinha, com medo de terminar um casamento, com medo de desfazer uma família.

Muitas vezes passamos por cima de questões muito básicas em nome de uma relação. Eu acho que aprendi a cada vez mais entender que a felicidade, que é o que a gente sempre busca, está diretamente ligada a você ir de encontro a você mesma, você ser quem você é.

Mônica Martelli — Foto: Jonathan Zamora
Mônica Martelli — Foto: Jonathan Zamora

Você fala com muito humor sobre temas sérios como machismo, traição, duplas jornadas, envelhecer… Acredita que o humor seja a forma mais poderosa de fazer o público refletir?

O humor é uma ferramenta muito eficaz para você tocar em temas delicados, né? Você consegue atingir um número grande de pessoas com assuntos sérios porque você rir e refletir sobre a sua vida ao mesmo tempo é muito poderoso. O humor é realmente muito poderoso, porque você consegue ser tocado e rir ao mesmo tempo. Te faz refletir, mudar, pensar…

Desde “Os Homens São de Marte”, você se tornou uma espécie de cronista da mulher moderna. O que acha que mudou no discurso feminino nos últimos 10 anos?

Tem uma frase de Simone de Beauvoir que fala: “Basta uma crise econômica, político-religiosa para os direitos das mulheres serem questionados”. Eu acho que nós avançamos muito, tem muita coisa que hoje é dita, debatida, falada, mas como tudo na vida, a gente caminha três passos e volta dois, a gente caminha quatro e volta um… É uma luta que não está ganha.

Ela tem que ser é pensada diariamente, é todo dia acordar e pensar: só por hoje não serei machista, só por hoje eu vou olhar para uma outra mulher com mais sororidade, com mais empatia, só por hoje eu vou tentar não julgar aquela mulher porque ela fez isso… Fora todo o machismo que a gente vive no nosso dia a dia. Acho que a geração da minha mãe abriu caminhos para mim e eu tô abrindo para a minha filha, mas a gente tem muito ainda que conquistar.

Você sempre foi uma voz ativa contra os tabus do envelhecimento feminino. Como enxerga hoje o etarismo? Percebe alguma mudança concreta na forma como a sociedade encara as mulheres maduras?

A gente tá longe da tranquilidade, sabe? A gente tá na luta. É uma luta que não termina. Acho também que avançamos, hoje a gente fala de muita coisa que não se falava. Uma mulher da minha idade de 57 anos, há um tempo seria um outro perfil de mulher… Tenho desejos, projetos, tem muita coisa na minha vida que eu quero ainda conquistar. Eu vejo as mulheres a minha volta conquistando, mudando de cidade, mudando de trabalho, mudando de marido.

A gente tá falando da longevidade, né? Se a gente vive até os 90 anos, você para com os 50 anos e pensa: ‘Mas pera aí, eu vou passar os próximos 40 anos com esse marido, nesse trabalho?’ Estamos repensando muitas coisas e fazendo muitas mudanças. Mas por outro lado, o velho no Brasil continua sendo mal visto, existe um preconceito muito grande e uma sociedade que enaltece a juventude, a mulher mais ainda. A mulher não está autorizada a envelhecer. Somos muito julgadas e questionadas quando isso acontece. Estamos na luta.

Mônica Martelli — Foto: Jonathan Zamora
Mônica Martelli — Foto: Jonathan Zamora

Qual foi a sua maior revolução ao passar pelos 50? O que descobriu sobre si mesma ou seu corpo?

Hoje lido com o meu corpo de uma forma mais saudável. Era muito exigente comigo. Aos 20 anos, eu me olhava sempre procurando defeito. Agora eu me acho muito mais bonita, acho meu corpo mais bonito… Eu me conheço mais e me valorizo mais. Sou menos exigente, menos cruel comigo mesma. Conheço mais meu corpo e meus desejos, isso não tem preço para mim. É uma conquista que a maturidade nos dá e que eu não trocaria por nenhuma juventude.

Você já disse que, com o tempo, o sexo fica melhor. O que muda com a maturidade?

O sexo fica melhor porque você não tem vergonha de falar de desejo, de dizer o que você gosta, o que quer, você conhece mais seu corpo. É claro que o envelhecimento traz também todas as questões da menopausa, né? Traz calor, ressecamentos, isso tudo você vai contornando com reposição hormonal, com conhecimento, leitura, indo atrás de médicos certos… Você pode sim ter uma ajuda. Isso tudo faz com que você atravesse essa fase difícil da menopausa de uma forma mais tranquila. Existem também mudanças no corpo.

Teve um momento que eu não me reconhecia mais. Eu estava alterada, irritada, angustiada, eu falei: ‘Meu Deus, quem eu sou? Eu não me reconheço mais’.

Nesse momento, fui atrás de ajuda. Tem um lado bom, que é do autoconhecimento, é você se conhecer, saber do que quer. Quando você envelhece, usa melhor seu tempo, não quer perder tempo com algo que não é relevante, que não te interessa. Você começa a lidar com a finitude da vida.

No quadro “Mônica Total”, no Instagram, você se propõe a discutir temas relevantes com muita autenticidade. Em meio a tantas conversas francas, qual é a inquietação ou “neura” que ainda te acompanha?

Eu tenho várias neuras, nunca deixarei de ter, acho que todo mundo. Eu faço terapia há muitos anos, tô sempre lendo e tentando uma ajuda. Tenho neuras desde medo de morrer cedo e deixar a minha filha medo de não conseguir ser 100% dentro de uma relação, então, tento ao máximo falar sobre as questões que me incomodam. Tenho neura de… (risos). Porque eu acho que a vida é isso, entendeu? Agora, muita coisa melhora! Você não briga mais com o tempo, você pega o tempo como seu aliado, mas você continua tendo as suas paranoias porque isso faz parte do ser humano, né?

Mônica Martelli — Foto: Jonathan Zamora
Mônica Martelli — Foto: Jonathan Zamora

Você e Ingrid Guimarães estão finalizando o filme “Minha Amiga”, que tem cenas em Portugal, Espanha e Brasil. O que pode nos contar sobre essa parceria?

O filme é resultado de uma amizade de 30 anos. E a minha amizade com a Ingrid tem um diferencial: a gente se diverte muito uma com a outra. Minha irmã (a diretora Susana Garcia) fala o seguinte: ‘Sabe um parque de diversão que você vai na montanha-russa? As duas são parques de diversão entre elas. Elas se divertem entre elas’. A gente fica no canto esperando trocar luz, trocar cena e ficamos falando, rindo uma da outra.

Nunca tínhamos trabalhado juntas e agora nos reencontramos, depois dos 50, cada uma com a sua trajetória: eu, com uma carreira autoral baseada nas minhas histórias, e a Ingrid, com uma carreira marcada por vários personagens e temas que, de certa forma, dialogam com os meus. Eu e Ingrid tivemos nossas filhas na mesma semana. Então, nós temos muitas coisas em comum, e nossas filhas também são melhores amigas.

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